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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A Residência Universitária e a dubialidade de um modo de ser, de estar e de viver.

A Residência Universitária e a dubialidade de um modo de ser, de estar e de viver.

Depois de algum tempo passado aqui, na Residência, eu percebi que existem dois jeitos de se entrar neste mundo fantástico de SER RESIDENTE: Morando e Vivendo (Morar e Viver).

A primeira opção é absolutamente e irrevogavelmente mais fácil. Fácil porque você vai traçar uma relação parasitária, onde você usurfrui de onde MORA e não contribui para que nada melhore, para que nada aconteça. É uma relação isenta de responsabilidade e de certa forma de cobranças. Você não vai precisar ter uma conduta alinhada com os principios ou com a moral, você vai poder ser o que quiser porque nao vai expor sua vida, seus hábitos, suas atividades. Vai ser aquele tipico residente que antes de entrar, tentou agradar a todos: desde as assistentes sociais que fazem a seleção a coordenação da sua pretensa casa. Afinal... todos devem pensar que você é uma pessoa bacana, sem problemas psicológicos aparentes (e daí que um dia a sua verdadeira face vai ficar aparente? A vaga já é sua! Uhul!) para facilitar a sua entrada. Vai ser aquele tipo de residente que não faz muita questão de se envolver com as outras residentes “Pra que? Isso aqui é temporário! Eu tenho meus amigos da cidade de onde eu vim, da faculdade.. enfim, não preciso de ninguém.. a não ser que falte sal ou fósforo no meu quarto! Ai necessariamente eu teria que dar um sorriso maior pra minha vizinha! Espero que não falte”. Nenhum homem é uma ilha. E como tal, onde chegamos temos sim a necessidade e a pretensão de criar laços! É exclusivo da raça humana, acostume-se com isso. Vai ser aquele tipo de residente que chega da aula, ouve barulhos vibrantes do quarto vizinho e questiona: - nossa! Que egoistas, não podem fazer menos barulho? Tô cansada, tenho que estudar. Será mesmo que a egoista aqui é a vizinha? Ou o problema é que EU não tenho motivos pra chegar em casa tão feliz, afinal essa nem é a minha casa!! Bom. Vai ser aquele tipo de residente que se contenta em pegar o café da manhã sem nem cumprimentar a BEM FEITORA cozinheira do café, que nunca atrasa porque sabe que algumas tem aula as 7horas da manhã. Mas e daí? É obrigação dela! Ela é paga pra isso... e eu nem gosto muito dessa comida mesmo! Se faltasse eu nem ligaria tanto! (Faça o teste de levar o seu prato de comida pra quem precisa.. é um banquete! Mas quem se importa não é?). Vai ser aquele tipo de residente que sempre passa pelo mural de informações, lê todas elas.. mas se limita a só se manter informada, como se fosse um telejornal da Sibéria que fala de uma realidade bem distante e distinta da sua. (Pra que eu quero saber que o técnico do computador coletivo vem aqui? Eu ja tenho o meu mesmo! E daí que vai ter assembléia? Esse povo parece que não tem o que fazer mesmo! Ficar discutindo sempre as mesmas coisas... [jamais pensa se as coisas estão sendo rediscutidas é porque nao foram resolvidas] Volei aos sabados? É o unico dia que eu tenho pra dormir um pouco mais e lavar a roupa.. lá tenho tempo pra isso.. e logo com essas meninas..). Vai ser aquele tipo de residente que pré-julga. “Nao fui com a cara de fulana, de beltrana.. olha o jeito que aquela se veste? E o namorado da outra?” sem dar a chance para si e para que a fulana se desfaçam desse julgamento (podemos estar perdendo uma amizade tremenda)! O tipo de residente, enfim, que não se mistura. Que tem um quarto que virará seu mundo e nada mais, nem nada mais ninguém: portas fechadas e restritas. Vai ver quartos unidos comemorando o aniversário surpresa de alguém e vão se perguntar porque ninguém lembrou o seu. O tipo de residente que não cria laços, que não deixa mãos nas paredes, rachadura no chão ou história nas tintas e tijolos.
Agora, se você escolher a segunda opção eu garanto: vai ter horas (e muitas horas) que você vai querer pular fora e escolher a primeira opção. Mas, aqui é que nem Matrix: ou toma a pílula azul ou a vermelha. E a partir disto uma nova realidade tornar-se-á visível e palpável pra você, vindo juntamente com toda responsabilidade por esse privilegiado conhecimento: o além das aparencias. Mas também garanto que será a coisa mais difícil e gratificante, apesar de nem sempre reconhecida, nem pelas que optaram pela situaçao 1 e nem tão pouco por você mesma. Uma opção que vai trazer sofrimento, noites perdidas de sono, de estudo, de aulas. Falar pro professor “tenho uma reunião na reitoria pra resolver coisas...” vai virar quase um ditado popular! As vezes o próprio professor já vai assinar seu nome na lista por você! Isso quando um deles não te procurar e dizer ‘Isso não tem futuro, você tinha tudo pra estar engajada num projeto de pesquisa..’ E quem disse que não sou capaz de fazer as duas coisas ao mesmo tempo? Como sabe ele que isso não tem futuro? Ele ja foi residente? Ja precisou carregar o peso de mais de 50 moradores nas costas? Ja precisou chegar em casa mais de 22hrs da noite, doida pra tomar um banho e não ter água? Ja teve que virar a noite estudando e na hora que mais estava rendendo a luz apagou porque deu um curto na casa? Aposto que não. Então não me venham dizer o que vale ou não a pena! As vezes acho que residente tinha que sair com 2 certificados e diplomas: Um de vida acadêmica e outro de vida plural Afinal, o que não aprendermos na residência? Alimentação (poderiamos até ser consideradas feirantes!), Hierarquias, História, Movimentos Sociais e Estudantis, Reuniões, toooodo tipo de Oficios, Memorandos, Solicitações, Relações Humanas e Públicas, Terapias em grupo e individuais, etc, etc, etc.
Se você optou pela segunda opção do nosso cardápio de boas vindas, prepare-se: você será vítima das maiores injustiças e injúrias dentro do seu próprio ambiente de trabalho! Ah, e não se assuste se algum dos poderosos das Instâncias Deliberativas gritar com você porque fazem 5 meses que você solicita lâmpadas para a sala de estudo e elas nunca apareceram! Você está entrando num ramo que não tem volta. Se decidir lutar pelo ESPAÇO e pelo LAR que você VIVE, decida de corpo, alma e coração porque não é possível fazer com que as coisas aconteçam sem esses três componentes. Você entrará num mundo de conflitos. E o maior dele é: Largo a casa ou tranco e aguento reprovação se eu continuar assim? Eis a questão. Eis a questão que rondará a sua cabeça quase todos os dias da sua estadia. As vezes temos que abrir mão de muitas coisas para dar prioridade às coisas da residência. Cabe a nós ponderarmos também para não comprometermos o verdadeiro motivo pelo qual saimos de casa e deixamos nossas familias. Mas eu volto a argumentar que, se mais gente escolhesse a opção dois, a opção um seria mais esvaziada e sem filas (que mais parecem do SUS e do RU) e teriamos menos gente frustradas e sobrecarregadas. Se a rainha, o rei, o bispo e as torres também trabalham, os peões não morrem logo. É um privilégio cheio de sacrifícios: o de ver além do que se enxerga. É saber que não se pode habitar uma casa dessas que transpira história e sua deterioramento sem incorporá-la ao seu ser. É não conseguir ver uma infiltração que não atinge o seu banheiro, mas atinge o da minha vizinha e achar SIM que isso é problema MEU também!!! Um dia o vazamento pode chegar no meu banheiro num dia de uma entrevista de emprego que eu esperava há anos. Entende? É uma ação e reação, uma simultaneidade de precisões, onde a decisão é sua: entrar ou observar. É comum você optar pelo observar, e instigar e estimular o trabalho das que entraram. É como ver um grupo de pessoas adentrando uma caverna cheia de obstáculos, ficar do lado de fora e dizer: força! Você consegue! Quando você sabe que é da caverna que vai sair o seu sustento. E daí? Tem quem faça por mim, porque vou fazer? É um belo raciocínio e se as pessoas da 2 opção também pensassem assim (não conta pra elas) seria um CAOS.
Concluindo... é fácil encontrar uma casa pintada, organizada, com quartos disponíveis e tudo funcionando (mais ou menos bem). É muito fácil observar o trabalho daquelas que estão trabalhando dobrado porque EU nao estou fazendo a minha parte. É fácil julgar quem dá a cara a tapa enquanto eu sou a primeira a tapear. É fácil segurar o meu mundo(quarto) seguro enquanto a casa desaba. É fácil ter móveis, aparelhos dentro do meu quarto e ignorar que outras pessoas que não tem condições e dependem do coletivo estão sem. É fácil entrar na casa. É fácil ter onde morar, o que comer a qualquer hora que eu quiser. É fácil se isentar de uma luta que também é minha a prova disto é que você não teria nem onde concorrer uma vaga se outras não tivessem lutado. É fácil morar na residência, é muito fácil. Difícil é SER RESIDENTE e VIVER RESIDENTE. Difícil é se responsabilizar pela sua decisão de VIVER na e para a residência e o mais difícil é se tornar responsável pela decisão de alguém que em momento algum se responsabilizou pela sua.